No aniversário de Nova Friburgo, e restando apenas quatro anos para o bicentenário, A VOZ DA SERRA convidou o mais experiente político friburguense em atividade para fazer uma avaliação do momento atual vivido pelo município, e também dar sua opinião a respeito de como gostaria de ver a cidade chegando aos 200 anos. Tendo anunciado o fim de sua carreira política ao término do atual mandato na Câmara Municipal, Renato Abi-Ramia concedeu um relato livre de interesses pessoais, e solidamente respaldado em informações atuais.
Como o senhor gostaria de ver Nova Friburgo chegando aos 200 anos?
Espero que seja com outro prefeito, porque teremos eleições daqui a dois anos. Um prefeito comprometido com a cidade. O povo já aprendeu, já viu. Não sei quem vai ser. Eu estou encerrando a minha carreira política com esse mandato, não serei mais candidato a vereador em hipótese alguma. E eu espero que tenha algum candidato que possa trazer esperança e renovação política para nossa cidade. Acabar com a política tradicional do toma lá dá cá, que é a política do governo atual, e passar a governar ouvindo a população e principalmente em função do interesse público.
O senhor é o político mais experiente da cidade, dentre os que estão em atividade, e acompanha e participa da política friburguense há muitos anos e muitos governos...
Na maior parte das vezes na oposição...
Como o senhor avalia o momento atual vivido por Nova Friburgo, primeiro em linhas gerais?
Nossa cidade se distancia muito daquilo que poderíamos e deveríamos ter. Nova Friburgo merecia uma condição muito melhor, porque é uma cidade ímpar em certos aspectos. Nós temos aqui 933 km² de território, quase o tamanho do Rio de Janeiro. Somos maiores do que Niterói, São Gonçalo e diversos outros municípios, e a natureza nos deu condições excepcionais. Temos, por exemplo, a preservação de 44 a 45% da Mata Atlântica original ombrófila. O Estado do Rio tem 17, o Brasil apenas 7. Um dos maiores problemas previstos para o futuro, e que já se faz sentir em diversos municípios, é a falta d’água. E aqui nós uma riqueza de água incomensurável. Nós temos 1500 rios, riachos e cachoeiras, corredeiras. Quer dizer, nós temos uma condição completamente sui generis em relação a outros municípios. Nós temos quase 200 mil habitantes, e eu penso que os serviços públicos são deficitários para o tamanho de nossa população. Há também — e isso é dito até pela Secretaria de Ação Social —, 15 mil famílias vivendo abaixo da linha da pobreza, e essa é uma situação absurda. Não são pessoas, são famílias. Esse foi um dado que me entristeceu muito, e que eu realmente não esperava. A economia da cidade não vai bem. A maior parte da população ganha salário mínimo, ou pouco mais do que isso. Existe uma elite, mas é uma elite muito pequena, enquanto que a maior parte da população sofre muito. Apenas 20% de nossa população tem plano de saúde, enquanto 80% dependem do serviço público. Numa cidade como a nossa, 30% seria um índice normal.
Em relação ao governo, o senhor tem manifestado opiniões muito próprias, elogiando alguns aspectos, e sendo bastante crítico em relação a outros...
Ao longo de pelo menos 15 anos nós estamos tendo governos que estão deixando a desejar. E muito, todos eles. No governo Saudade, por exemplo, houve a anulação do concurso, que impediu a entrada de servidores públicos, e nós ficamos dependentes de contratações. Isso foi corrigido, e foi uma coisa boa do governo Rogério Cabral, e também do governo Dermeval, junto à Câmara Municipal. Porque a Câmara aprovou, durante o governo Dermeval, o projeto que enfim conseguiu resolver o problema dos servidores do concurso de 1999. Outra coisa boa do governo Rogério Cabral foi agora a compra da Ypu e do Clube de Xadrez. Esses são pontos positivos. Agora, o que eu vejo é que existe muito ceticismo em relação ao governo atual. A população, quase que por unanimidade, reprova o governo atual. E por quê? Porque o governo procurou se basear nas práticas mais antigas da política tradicional. Fisiologismo... Escolheu muito mal o secretariado. Existem secretários que jamais poderiam ter sido escolhidos ou mantidos. Não tem planejamento estratégico, não tem plano, não tem metas, não tem projetos estruturais. É tudo feito de forma improvisada, sem nenhuma metodologia, e hoje em dia isso não dá certo.
O senhor é uma autoridade respeitada na Saúde, sabidamente um dos maiores desafios da municipalidade. Como o senhor vê o momento atual desta pasta e como a situação poderia melhorar?
Eu já conversei com o prefeito várias vezes. Tentei ajudá-lo, dizendo que o Raul Sertã e a UPA são consequências. Por que eles estão cheios? A UPA passou a atender cerca de 400 pessoas por dia, 12.000 mil por mês, quando o máximo que a cidade poderia atender seriam 8 mil, incluindo aí os planos de saúde. O problema é que não existe atendimento ambulatorial. Mais de 70% das pessoas morrem em decorrência de doenças crônicas, e elas não estão sendo atendidas nos ambulatórios, porque praticamente não temos médicos lá. Não temos psiquiatra, não temos angiologista, temos um ou dois cardiologistas, tínhamos um neurologista, não sei se ainda temos... Quer dizer, as pessoas não estão tendo as suas doenças tratadas em ambulatório, para desafogar os hospitais. Dou um exemplo: a doença que mais mata é o AVE [Acidente Vascular Encefálico]. Mata, e quando não mata traz consequências para as famílias das pessoas para o resto da vida. O paciente fica com limitações e dependendo de cuidados constantes. Isso é evitável, porque 80% das causas na mulher são relacionadas a hipertensão arterial, que pode ser controlada. E no homem, 71%. Eu vejo isso com clareza, porque trabalho no ambulatório da Catedral São João Batista. Existem diretrizes emanadas pela sociedade brasileira de cardiologia, e diretrizes internacionais, que não estão sendo cumpridas em Friburgo. Agora, por que não são cumpridas, eu não sei.
O maior problema então está ligado à falta acompanhamento e prevenção?
Sim, e o mesmo acontece em relação ao diabetes, à insuficiência coronária... Nós temos um centro de excelência para tratar de doenças coronárias no Hospital São Lucas. Só que os pacientes não têm seguimento, porque com um ou dois cardiologistas no ambulatório, esses pacientes fazem a ponte de safena ou colocam um stent, mas não ficaram curados. A doença aterosclerótica é a mesma. Eles precisam de acompanhamento em ambulatório, e nós não temos isso. Eu tenho cansado de dizer que nosso sistema está invertido, que o paradigma está errado, que nós temos que ter médicos suficientes e de todas as especialidades no ambulatório, para que esses pacientes sejam atendidos e a gente reduza pela metade os atendimentos de pronto-socorro. Eu fiz isso em 1996. Nós começamos com 11 mil atendimentos, e quando eu saí esse número havia caído para 6 mil. Atualmente nenhum médico quer exercer essa função, porque o salário em ambulatório é R$ 1.307. Já o salário no pronto-socorro e maternidade é R$ 8 mil. Então ninguém quer ficar no ambulatório. A segunda doença que mais mata é o câncer, e ele permite 60 a 70% de cura quando diagnosticado precocemente. O governo está querendo fazer o hospital do câncer. É lógico que é importantíssimo ter o hospital de oncologia, e eu às vezes acredito que ele vai sair, outras vezes já não acredito mais. Mas é muito importante investir em diagnóstico também.
O senhor acredita que um ambulatório, com investimento muito menor, poderia melhorar o índice de cura ao ajudar na obtenção de diagnósticos em fases iniciais da doença?
Um ambulatório para fazer diagnóstico precoce, sim. Nós temos carências de gineconologistas, urologistas... O pré-natal em Conselheiro é feito pela enfermagem por falta de médicos... É impossível atender a população assim. E tudo isso eu falei diretamente com o prefeito, várias vezes. Ele é um sujeito educado, que tem a capacidade de ouvir. Mas ele não escuta. A diferença entre ouvir e escutar é que ouvir é fisiológico. Se um carro está passando você ouve, mas isso não provoca nenhuma absorção intelectual. A absorção é que define o escutar. E isso ele não faz, porque não quer. Ele já trocou o secretário três vezes, e não vai resolver nunca, porque se não tiver os ambulatórios funcionando, o hospital vai explodir como já está explodindo. Hoje, por exemplo, não existe lugar no CTI. Está sendo feita uma obra, que fui eu que consegui, para aumentar o CTI para 20 leitos, mas ainda vai levar algum tempo. Em meu consultório eu atendo a todo tipo de patologia na minha área, e na igreja eu atendo tudo, clínica médica. E interno apenas um ou dois pacientes por mês. No inverno esse número aumenta um pouco por causa das doenças respiratórias, mas a média é entre um ou dois por mês. Na imensa maioria das vezes, se o paciente for bem atendido, ele não interna. E também existe o problema sério ligado aos acidentes. Aqui em Friburgo está demais. Com motos então, é caso de se fazer campanha... As principais causas de morte são as doenças cardiovasculares, depois vem o câncer. Em terceiro estão as causas externas, como acidentes e violência.
E sobre a educação? Qual a visão do senhor a esse respeito?
A educação é ruim em todo o país. Basta dizer que o resultado do Pisa colocou o Brasil em 53º lugar entre 65 países. Isso é um absurdo. O Brasil é um dos cinco maiores países do mundo em extensão territorial, tem uma das maiores populações, e uma das maiores economias. Nós temos petróleo, temos 12% da água potável do planeta, temos entre três e quatro safras por ano, a maior riqueza em biodiversidade do mundo. Então um país assim não era para ter esses resultados. Na saúde e na educação o cenário é péssimo, mas nós temos que pensar em como melhorar essas condições dentro de Friburgo. E aqui, particularmente, nós temos condição de matricular todo aluno que sair da 9ª série do ensino fundamental automaticamente no ensino médio. Não temos demanda reprimida. O problema é que estão sobrando vagas, os alunos não estão indo, não existe um projeto nesse sentido. Como também falta um projeto de qualificação do profissional de educação.
O senhor sente que falta estímulo ao profissional de educação?
Falta total. E tem que haver um diálogo com o profissional de educação que escolheu o Sepe. Eles têm direito de escolher a própria representação. A educação precisa melhorar muito. E o meu sonho aqui é que o aluno, ao receber o certificado de conclusão do ensino fundamental, já seja automaticamente matriculado no ensino médio, na escola estadual mais próxima. Quando fui candidato a prefeito, dez anos atrás, esse era um de meus projetos. Quando fui representante do governo aqui, nós criamos 15 novos cursos de nível médio. Hoje existem muito mais opções, é fácil colocar o aluno do ensino médio, e nós não estamos conseguindo. Eles abandonam os estudos. Falta uma política de educação, um esforço pedagógico concatenado. A secretária [Tânia Trilha] é capacitada, sem dúvida nenhuma, mas é preciso ver se o governo vai dar a ela as ferramentas. Ela tem um currículo muito bom. A gente torce para que tenha condições de trabalhar da melhor forma.
E a assistênca social?
Da mesma forma na área social. A secretária [Simone de Almeida Pinto] é capacitada, ela já foi duas vezes à Câmara e mostrou que tem conhecimento. Agora, o governo não dá os elementos para que ela possa trabalhar, como não dá para a secretária de educação, não dá para o secretário de Saúde.
Na sua opinião, então, a cidade tem pessoas capacitadas para a administração em todas as áreas?
Temos! Nessa homenagem da entrega do título de cidadão, por exemplo, eu indiquei um médico e uma enfermeira do Raul Sertã. Exatamente porque o trabalho que eles podem fazer, eles fazem. E o governo poderia valorizar mais o servidor. Que aliás, agora é servidor, antes era contratado. O governo se esforçou para isso, sem dúvida nenhuma, o mérito também é dele. Mas está faltando um diálogo melhor com os servidores. Eu sempre fiz críticas naquela época em que acabaram com o concurso, porque toda empresa, pública ou privada, investe em recursos humanos. Sem os recursos qualificados não é possível ter bons resultados. Os médicos, por exemplo. A maior parte dos médicos são contratados pro tempore. Posso arriscar uns 70% ou mais. Eles não são funcionários, não são servidores. São provisórios, têm contratos assim. Isso tem que mudar, eles precisam ter uma carreira. Mas se abrir um concurso oferecendo R$ 1307,00 não adianta. Ninguém vai querer...
E quanto ao Turismo?
Na área de Turismo também... O Turismo vive às custas do empresariado, que se esforça muito para manter uma rede de qualidade, que poderia ser muito melhor. Gramado, por exemplo, que é uma cidade muito menor que Friburgo, é uma cidade muito mais arrumada que a nossa. Mas em termos de beleza natural, não tem tantas quanto nós. Nós temos mais recursos ecológicos e históricos aqui. Alguns anos atrás, nós chegamos a ter a segunda maior rede hoteleira do estado.
O que o senhor tem a dizer sobre o trânsito friburguense?
O trânsito é muito difícil. A topografia é complicada, o número de carros é muito grande, então tem que haver um estímulo para que as pessoas deixem o carro em casa. É preciso investir em ciclovias, para que as pessoas possam circular com segurança entre Olaria e Conselheiro em bicicletas, aproveitando as áreas planas. E também facilitar a existência de micro-ônibus personalizados, que podem ser até mais caros, para transportar com mais conforto, sem precisar ficar em pé. Eu entendo que há um embotamento da capacidade criativa e intelectual do friburguense. O governo precisa ouvir e escutar. Houve há pouco tempo um mutirão de confissão na igreja, para a Semana Santa, e eu fui me confessar, porque meu pecado foi muito grande. Eu acreditei que o prefeito, vindo do trabalho, da zona rural, ia valorizar a votação que ele teve.
Mas o PMDB continua apoiando o governo...
Eu já falei com a vice-prefeita várias vezes. Ele também não tem ouvido ela como poderia, até porque se ouvisse, eu tenho certeza de que o governo não estaria dessa maneira, porque a Grace é uma pessoa preparada, inteligente. Eu já pedi a ela várias vezes para que saia do governo, porque a coisa não vai bem. Eu estou achando que o Rogério não quer resolver, porque se quisesse ele poderia chamar os vereadores de oposição para ouvir sugestões. Duvido que alguém não fosse. Nós estamos aqui para ajudar, porque faltam dois anos e sete meses... Ninguém da oposição vai pedir cargo ou favor. Nós vamos é sugerir caminhos para que a cidade saia dessa encruzilhada em que ela se colocou, graças à ineficiência, e à ineficácia do governo dele.
